BREVE TRATADO DE DEUS, DO HOMEM E DO SEU BEM-ESTAR:

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Contingência e Determinismo em Espinosa

RESUMO:

O presente artigo pretende analisar de forma geral os conceitos de “Contingência” e “Determinismo” na obra “Breve tratado de Deus, do Homem e do seu bem-estar” de Baruch Espinosa. A intenção deste trabalho não é esgotar o assunto referente aos conceitos citados, mas apresentar como Espinosa entende e conceitua os termos na obra em questão. Objetivamente os dois conceitos são amplamente antagônicos e necessariamente a evidência de um anula a possibilidade do outro. Entenderemos as bases dos argumentos de Espinosa quanto ao que ele entende como impossibilidade de alguma coisa na existência contingente quando entendemos sua compreensão da existência como “ação necessária” de Deus, consequentemente determinista.

Palavras-chave: Deus. Contingência. Ação Necessária. Determinismo. Espinosa.

BRIEF TREATY OF GOD, MAN AND HIS WELL-BEING

Contingency and Determinism in Espinosa

ABSTRACT:

The present article intends to analyze in a general way the concepts of “Contingency” and “Determinism” in Baruch Espinosa’s “Brief treatise on God, Man and his Well-being”. The intention of this work is not to exhaust the subject referring to the mentioned concepts, but to present as Espinosa understands and conceptualizes the terms in the work in question. Objectively the two concepts are largely antagonistic and necessarily the evidence of one nullifies the possibility of the other. We will understand the basis of Spinoza’s arguments as to what he understands as the impossibility of something in contingent existence when we understand his understanding of existence as God’s “necessary action,” consequently deterministic.

Keywords: God. Contingency. Necessary action. Determinism. Espinosa.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo analisar a exposição dos conceitos de “contingência” e “determinismo” por Baruch de Espinosa em sua obra Breve tratado de Deus, do Homem e do seu bem-estar”. O foco central deste trabalho se dará na primeira parte do tratado, mas especificamente dos capítulos I ao IX, onde Espinosa trata de Deus e de quanto lhe pertence, e analisa de forma contundente se há possibilidade de  alguma coisa contingente na existência o que é impossível segundo ele, por conseguinte, decorre a análise baseada na condição de ação necessária de Deus na existência, que por sua vez se faz por determinista, e nesses capítulos percebemos como Espinosa justifica o uso dos termos e entende os conceitos de contingência e determinismo em sua análise. Obviamente, Espinosa há de aprimorar as definições e argumentações dos conceitos em foco em obras posteriores, como por exemplo na sua principal obra, a saber; a “Ética demonstrada à maneira dos geômetras”, onde retoma os termos em voga de forma mais detalhada com argumentações mais abrangentes, mas na obra em questão já se pode compreender de forma clara as bases argumentativas do Filósofo quanto aos conceitos objetos deste trabalho. É importante entendermos, como será demonstrado a seguir, como Espinosa nega a possibilidade de contingência na existência e transcorre com seu argumento racionalista quanto a esta afirmação como veremos, e nos pontos seguintes analisaremos dois conceitos bases para a afirmação de Espinosa para uma existência determinista, contraponto a existência contingencial, a saber, Deus como causa e substância única e o conceito de ação necessária de Deus.

2 SOBRE A OBRA

O filósofo holandês Baruch Espinosa nasceu em novembro de 1632 em Amsterdã e erra filho de Judeus de origem hispano-portuguesa que foram para a Holanda em decorrência de perseguições religiosas. Mesmo recebendo educação Judaica de berço, Espinosa recebe a influência contagiante de correntes diversas dentro do judaísmo, é influenciado por correntes como a escolástica, o platonismo renascentista, e por René Descartes. Em consequência de suas ideias, em 27 de julho de 1656 Espinosa foi excomungado da comunidade judaica, e aos 23 anos foi acusado de heresia e sacrilégio e por consequência disso, teve de abandonar o convívio desta comunidade. De linha claramente racionalista e empirista, pensador metafísico, sua filosofia é considerada marcante, influenciou muitos grandes filósofos, como Nietzsche, por exemplo, e atrai o interesse de muitos estudiosos até os dias de Hoje. A obra de Baruch Espinosa “Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem estar” é considerada como uma das suas obras iniciais, considerada até como a primeira exposição sistemática da filosofia espinosana, como afirma Deleuze, “O conjunto parece reunir elementos de diferentes datas, sendo sem dúvida o ‘Primeiro diálogo’ o mais antigo” (Deleuze, 2002, p. 21), e é de grande importância para os estudiosos interessados em sua filosofia. A obra que foi tomada como objeto da análise é de língua portuguesa, publicada pela editora Autêntica e traduzida por Emanuel Angelo da Rocha Fragoso e Luís César Guimarães Oliva e possui 175 páginas. Traz como prefácio as considerações da Professora Marilena Chauí e uma introdução de Emanuel Fragoso e Ericka Itokazu, e é dividida em duas partes, a saber: Primeira Parte: de Deus e de quanto lhe pertence, a Segunda Parte: do homem e de quanto lhe pertence. Por fim, nesta edição temos ao final da obra um Breve compêndio do tratado escrito por Johannes Monnikhoff.

3 A IMPOSSIBILIDADE DA CONTINGÊNCIA

Inicialmente, é importante reafirmar que os termos objetos da análise são conceitualmente e estruturalmente contraditórios entre si, não existindo relação nenhuma de um com o outro, apenas que um é a completa negação do outro. A análise de Baruch Espinosa, sobre a contingência estrutura-se em torno da possibilidade de existir ou não na Natureza alguma coisa contingente, como Espinosa exprime no capítulo VI: “Agora cabe observar se há na Natureza algumas coisas contingentes, isto é, se há algumas coisas que podem ocorrer ou não ocorrer”. (Espinosa, 2012, p. 76).

Em aspectos gerais, conceitua-se o termo “contingente” [2] como algo que pode ou não acontecer, algo incerto, dado ao acaso, e em Espinosa o conceito é similarmente empregado. Quando se afirma que na existência pode existir alguma coisa ou ainda a própria existência é contingente, entende-se que nada na existência percorre um caminho estabelecido prévia ou essencialmente determinado, mas que tudo se estabelece mediante acontecimentos aleatórios, não determinados ou planejados. Necessariamente, diante da dubiedade se na existência existe algo que é contingente ou não, Espinosa nega a ideia da ação do homem e sua relação empírica com o universo, e estrutura seu pensamento em pontos racionalistas, onde sua filosofia pensa a existência como produto da essência. Por isso, é importante ressaltar que, quando se afirma a existência como contingente, se reforça uma concepção fenomenologicamente empirista da existência, onde a existência precede a essência, e nenhuma essência existe anterior ao “fenômeno”, como afirma existencialistas empiristas como, por exemplo, Sartre ou Husserl. Sartre afirmava que “O ser primeiro que encontramos em nossas investigações ontológicas é, portanto, o ser da aparição” (Sartre, 2006, p. 18) [3], por isso, não existe nada, segundo eles, anterior à existência, e é o que essencialmente Espinosa recusa, negando contundentemente este empirismo fenomenológico e trilhando, como dito acima, a linha de pensamento racionalista e monista substancial.

Quando Espinosa trata de contingência, subjetivamente aproxima-se do problema da liberdade ou ainda do problema livre-arbítrio do homem, do que o homem pode ou não fazer por si e para si. O conceito de liberdade é mais usado para relacionar o problema da ação do homem, do seu livre arbítrio, de sua capacidade e condição de agente causador e não apenas de objeto da causa, estando mais restritamente ligado à ética, porém o termo contingência torna-se mais amplo, assumindo uma posição mais geral e reforçando igualmente o conceito contraditório ao determinismo e sendo um ponto subjetivo a condição de uma causa, não se restringindo a ética ou simplesmente a ação ou a liberdade do homem, mas amplia-se para uma concepção tanto fenomenológica como ontológica de uma existência substancialmente estruturada em uma essência e causa única determinada por ação essencialmente necessária.

Por consequência da sua compreensão e negação quanto a contingência, Espinosa entende que a crença no conceito de livre arbítrio ou liberdade do homem é um engano da filosofia, pois para ser contingente nada na existência deveria ser constrangido, o que ele mostra que não é possível. Para ele, necessariamente se algo na natureza é contingente sua causa deveria ser contingente e não constrangida, logo o que lhe causou também deveria ser contingente, e assim se seguiria em um plano infinito, onde a contingência é fruto de outra causa contingente assim infinitamente, necessariamente “et sic in infinitum”(Espinosa, 2012, p. 77)conforme chama Espinosa, porém isso negaria de certa forma os atributos de Deus e ainda Deus como causa única de tudo. Posteriormente, também em sua obra Ética, Espinosa retoma os argumentos que contrariam a possibilidade de uma causa contingente ou livre em si, afirmando que “a vontade não pode ser chamada causa livre, mas unicamente necessária” (Espinosa, 2009, 32), ou seja, nenhuma causa é livre em si, mas determinada por outra causa, que por sua vez é determinada por outra coisa, assim infinitamente, como segue a argumentação de Espinosa:

Caso se suponha que a vontade é infinita, ela também deve ser determinada a existir e a operar por Deus, não enquanto substância absolutamente infinita, mas enquanto possui um atributo que exprime (pela prop. 23) a essência infinita e eterna do pensamento. Assim, seja qual for a maneira pela qual a vontade é concebida, seja como finita, seja como infinita, ela requer uma causa pela qual seja determinada a existir e a operar. Portanto (pela def. 7), ela não pode ser chamada causa livre, mas unicamente necessária ou coagida. C. Q. D. (Espinosa, 2009, 32 – p. )

Se algo é contingente, necessariamente deve ter uma causa determinada e não constrangida, o que de certa forma já constitui-se contraditório, pois se existe uma causa determinada, logo não pode ser contingente e se é contingente, não pode ter uma causa que foi de certa forma constrangida a existir. Espinosa define: “se algo é contingente, tem uma causa determinada e certa para existir necessariamente; mas que isso seja tanto quanto contingente quanto necessário, é contraditório. Logo”. (Espinosa, 2012, p. 76).

Toda a argumentação de contradição elementar e de forma geral, da negação completa da possibilidade de contingência são montadas por Espinosa nos capítulos iniciais da primeira parte da obra em questão. Nos primeiros capítulos, onde Espinosa apresenta seu pensamento sobre a existência de Deus, seus atributos e Deus como causa substancial e única de tudo, Espinosa monta a espinha dorsal de sua compreensão monista substancial, estruturando sua argumentação da impossibilidade da contingência, por meio da compreensão do conceito de substância única, do que a compreende e do entendimento de causa única e necessária. Espinosa confronta a ideia de contingência ou da existência de qualquer coisa contingente com a compreensão determinista de causa necessária da existência, em suma, Espinosa ver a impossibilidade da contingência a partir do princípio de que tudo é da única forma que deveria ser, não podendo ser diferente, se assim fosse os próprios atributos de Deus seriam negados, o que não é possível, por isso nada é contingente. Veremos estes argumentos de forma mais detalhada  nos pontos a seguir.

4 DEUS COMO CAUSA DE TUDO

Para entendermos como Espinosa constrói seu conceito de determinismo, é necessário compreendermos dois pontos importantes. O primeiro é o entendimento de Deus como causa única, e o segundo ponto é a infinidade e perfeição dos atributos de Deus, assim entenderemos sua concepção de ação necessária, por conseguinte, inevitavelmente as ações determinadas.

Primeiramente, para Espinosa a própria ideia que o homem tem de Deus é uma ideia resultante de uma causa exterior, uma concepção inata que proporciona, de forma geral pela existência da própria ideia, a convicção da existência do próprio Deus. A essência de Deus, eterna e imutável constrange ao homem a promover em si a ideia do próprio Deus, como Espinosa afirma que: “Se o homem tem uma ideia de Deus, então Deus deve existir formalmente”. (Espinosa, 2012, p. 50).

Espinosa conclui que Deus é a causa de tudo como substância única, Ele é a causa de todas as coisas que são invariavelmente infinitas e Ele, Deus é a essência de toda a existência que é imanente.  Esse conceito de “substância única”, também foi empregado por Aristóteles, que afirmava uma causa única para o universo, que ele chama de Deus, em Aristóteles essa causa é primeira ou como ainda chama, “primeiro motor” eterno e imóvel, incorpóreo, sede das potências, em suma, “um pensamento que se pensa a si mesmo” (Aristóteles, 1987, p. 27).Para Espinosa, Deus é a substância única e de infinitos atributos perfeitos em si, do qual nada pode existir fora dEle. Espinosa baseia-se nessa compreensão argumentando inicialmente sob quatro pontos por ele apresentados na obra em questão, como descritos a seguir:

“1. Que não existe nenhuma substância limitada, mas sim que toda substância deve ser infinitamente perfeita em seu gênero, isto é, que no intelecto infinito de Deus não pode haver uma substância mais perfeita que aquela que já existe na Natureza.

2. Que tampouco existem duas substâncias iguais.

3. Que uma substância não pode produzir outra.

4. Que no intelecto infinito de Deus não há nenhuma substância além daquela que existe formalmente na Natureza.” (Espinosa, 2012, p.54-55)

Diante disso, Espinosa explica que, quanto ao primeiro ponto, “que não existe nenhuma substância limitada”, não poderia de forma nenhuma existir uma substância limitada sem que fosse necessário outra substância ilimitada ter a criado, ou se, hipoteticamente, fosse proposto que exista duas substâncias ilimitadas, a substância ilimitada limitar-se-i-a a si mesmo em detrimento da outra substância, por isso torna-se inconcebível e contraditória a ideia da substância ilimitada limitar-se diante da criação de outra, pois se existem duas substâncias ilimitadas já não seriam, pois uma limitaria invariavelmente a outra. Em sua outra obra, Ética, Espinosa há ainda de afirmar que “a natureza desta substância” pertence ao existir, por isso não pode ser produzida por outra, logo ela é “causa de si mesma”, ou seja, “a sua essência necessariamente envolve a existência” (Espinosa, 2009, p. 13), o que reforça sua linha de pensamento racionalista. Com isso, a segunda afirmação de Espinosa torna-se mais contundente, onde Espinosa afirma que é não “existem duas substâncias iguais”, pois, por ser a substância perfeita em seu gênero, seria por concepção completa, por isso não poderia existir outra substância, logo se assim fosse, “necessariamente uma limitaria a outra”, nisso voltaríamos ao problema no ponto anterior. Quanto à terceira afirmativa, “que uma substância não pode produzir outra”, torna-se evidente, conforme ele afirma, se uma produzir outra necessariamente teria os mesmo atributos, o que se torna inviável mediante ao primeiro ponto e, por conseguinte ao segundo, limitando uma a outra ou produzindo outra substância sem os mesmos atributos. Por último, Espinosa entende que nada pode existir fora, nem tão pouco ser concebido nada além da substância única e ilimitada, que é Deus, ele afirma que não pode existir na natureza nenhuma substância além de Deus, que é absolutamente infinita, como segue sua afirmação:

No que aqui precede, já dissemos que a substância única não pode produzir as outras, e que Deus é um ser do qual se afirmam todos os atributos; donde se segue claramente que todas as outras coisas não podem, de modo algum, nem existir nem ser entendidas sem Ele nem fora d’Ele. Por isso podemos dizer, com toda razão, que Deus é causa de tudo. (Espinosa, 2009, p. 70)

Afirmando isso, que Deus é a causa de tudo e que nada existe fora Dele, Espinosa conclui que Deus é uma causa imanente  ou produtiva de suas obras, e, em relação ao que opera, é causa ativa ou eficiente, ou ainda, causa livre, pois apenas Deus existe necessariamente por sua natureza, não age coagido por ninguém e nem por nada determinado, age exclusivamente pelas leis de sua própria natureza, apenas Deus é livre, como segue conclusão do próprio Espinosa: “…Ele é uma causa, um predestinador e governante de todas as coisas.” (Espinosa, 2009, p. 62). Sumariamente, para Espinosa tudo da Natureza é essencialmente imanente à substância única, eterna e perfeita que é Deus, tudo é produzido como imanente nele, como extensão de sua essência e nada pode existir fora dEle.

Mediante a isso, passamos ao ponto em que Espinosa reflete sobre as ações necessárias de Deus, não como coagido a agir necessariamente, mais diante dos seus infinitos atributos perfeitos e eternos, suas ações são invariavelmente perfeitas e se assim não fossem, negariam os atributos do próprio Deus, logo negaria a si mesmo.

5 AÇÃO NECESSÁRIA; DETERMINISMO EM ESPINOSA

Após a compreensão da existência de Deus, Deus como causa e essência de tudo e que nada existe fora dele, tendo por base todos os argumentos de Espinosa que por princípio afirma que Deus é causa imanente, Espinosa afirma ainda que “Deus é uma causa principal das obras que criou imediatamente” (Espinosa, 2009, p. 71), sendo assim, Deus é a causa única, primeira e última de todas as coisas, não cabendo nada fora dele seja de tempo ou espaço, matéria ou forma, tudo está nEle, logo, é Ele causa imanente de todas as coisas.

Seguindo essa compreensão. Espinosa aponta para a direção das “obras necessárias de Deus”, onde categoricamente afirma que tudo é da única forma que deveria ser diante da perfeição produtora de Deus. Dois pontos são apresentados nesta questão, onde o primeiro é a relação dos atributos de Deus com sua ação necessária, e a ação necessária predeterminada de Deus. Quanto à primeira relação, da ação necessária com os atributos de Deus, Espinosa compreende que se Deus não fizesse como de fato fez todas as coisas, ou se o que existe não fosse como de fato é logo negaria seus próprios atributos, e se as coisas que são pudessem ser diferentes, ou que em dado momento Deus resolvesse mudar alguma coisa, consequentemente negaria seus atributos. Se Deus é causa primeira e última, causa única e perfeita, tudo é como necessariamente deveria ser, tudo é perfeito, não podendo ser diferente, pois a perfeição das ações de Deus se apresentam na própria existência como ela é, e se fosse diferente não representavam a perfeição divina, por isso afirma-se que nada poderia ser diferente do que é, ou ainda como ele mesmo afirma: “Daí que nós neguemos que Deus possa deixar de fazer o que faz” (Espinosa, 2009, p. 73) .

Segue-se, portanto a segunda relação, onde a ação necessária de Deus é predeterminada. Nisso o argumento é semelhante ao anterior, pois se a criação ou todas as coisas não fosse necessariamente predeterminada, logo Deus não seria imutável, pois como haveria Deus em sua perfeita imutabilidade não predeterminar as ações? E como Deus como causa única, inicial e final não ter determinado tudo se até mesmo o tempo e espaço estão imanentes nele? Categoricamente, Espinosa afirma que, se Deus não fizesse tudo predeterminadamente, ele seria mutável e necessariamente negaria as ações de Deus que estão ligadas a seus atributos perfeitos e eternos.

Surge um problema segundo Espinosa, quando afirma-se que “Deus não poderia deixar de fazer o que faz”, porém segundo ele, este problema provém da concepção errada do conceito de verdadeira liberdade. Questiona-se que, se Deus não pode fazer diferente da forma que faz logo Deus está preso em uma única forma de se fazer todas as coisas, em consequência disso, entende-se que Deus não é livre. Para ele, a “verdadeira liberdade é apenas, e não outra senão a causa primeira, a qual não é de nenhuma maneira coagida ou necessitada por outro” (Espinosa, 2009, p. 73). A causa livre não é poder ou não poder fazer algo, mas não ser coagido externamente por nada, e o ponto a ser elucidado aqui é que, Deus como causa primeira pode deixar de fazer o que faz, pois Ele não é coagido a fazer o que faz, Ele é a única causa livre, não coagida externamente, mas age em detrimento de seus atributos perfeitos, entendendo que tudo é na extrema perfeição do que poderia ser, se não fosse já não seria perfeito, como apresenta o próprio Espinosa: “Daí que, se Deus pudesse deixar de fazer isso, não seria perfeito, já que pode deixar de fazer o bem ou a perfeição no que produz não pode ter lugar em Deus, a não ser por defeito” (Espinosa, 2009, p. 73).

É certo que “Deus pode produzir tudo tão perfeitamente como está contido em sua ideia” (Espinosa, 2009, p. 72) e que de forma nenhuma é coagido a produzir algo como produz, pois é causa primeira e única, não coagida, livre em toda a sua ação e que, segundo Espinosa, sua ação necessária é perfeita e única como poderia ser, pois Deus não pode deixar de ser perfeito, logo tudo o que faz é consequentemente perfeito, por isso, tudo é da única forma que poderia ser. Segue-se, portanto a compreensão espinosana de ação necessária na existência que, determina todas as coisas não deixando possibilidade para que exista algo contingente. Tudo e todas as coisas são unicamente tão perfeitas e da única forma que poderiam ser nada esta ao acaso, mas tudo sob o controle determinado e providencial de Deus.

CONCLUSÃO

Como podemos concluir, os conceitos de “contingência” e “determinismo” por Baruch de Espinosa em sua obra Breve tratado de Deus, do Homem e do seu bem-estar” são objetivamente antagônicos entre si. É possível perceber nesta obra que Espinosa é categórico quanto a impossibilidade de existir alguma coisa contingente na natureza, ou entre outras palavras, segundo o pensamento de Espinosa, não se pode existir nada que seja livre o suficiente para existir ação sem constrangimento na natureza, mas apenas Deus pode agir sem constrangimento, por conseguinte, apenas Deus é livre. Sua conclusão decorre de sua análise metafísica, baseada na condição de ação necessária de Deus na existência e Deus com substância única e inicial, com isso, Espinosa é claro ao concluir que a existência é imanente e constrangida, não existindo contingência na natureza, mas todas as coisas são produzidas na imanência de Deus, a única substância existente, e são, em consequência da perfeição de seus atributos, constrangidas por sua ação necessária, ação essa que determina toda a existência, perfeita em si que não poderia ser diferente do que é, sendo assim, determinada por Deus.

REFERÊNCIAS

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REZENDE, Wander Ferreira. A Liberdade em Espinosa. Disponivel em: < http://cchla.ufrn.br/ppgfil/paginas/mestrado/dissertacao/PDF/wander_ferreira.pdf >. Acesso em: 02/11/2017 às 21:30h.


[1]LEMOS, Joceilton da Silva. Bacharel em Filosofia pela Faculdade João Calvino – BA.

[2] Segundo o Dicionário priberam (https://www.priberam.pt/), esta palavra significa algo que pode ou não existir ou acontecer, algo incerto, casual, que pode acontecer por acidente.

[3] Jean-Paul Charles Aymard Sartre foi um filósofo francês conhecido como um dos principais representantes do existencialismo e em suas obras reforça a ideia empirista de que a existência precede a essência contrapondo os racionalistas que afirmam que a essência precede a existência.

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  1. Avatar de huz

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