O Deus de Espinosa

O Deus de Espinosa

O conceito de imanência divina em Baruch Espinosa

O filósofo holandês Baruch Espinosa nasceu em novembro de 1632 em Amsterdã e erra filho de Judeus de origem hispano-portuguesa que foram para a holanda em decorrência de perseguições religiosas. Mesmo recebendo educação Judaica de berço, Espinosa recebe a influência contagiante de correntes diversas dentro do judaísmo, é influenciado por correntes como a escolástica, o platonismo renascentista, e por René Descartes. Sua filosofia é considerada marcante, e influenciou muitos grandes filósofos como Nietzsche por exemplo, e atrai o interesse de muitos estudiosos até os dias de Hoje.

O conceito sobre Deus em Espinosa é bem distinto do que normalmente se define, seja por religiosos ou não, seu conceito é de um Deus imanente e não transcendente. Comumente se pensa em Deus como uma figura, com aspectos humanos, o que se dá o nome de “antropomorfismo”, dotado de atributos como onisciência (sabe de todas as coisas), onipresença (está em todos os lugares), e que mora em um lugar celestial, ou seja, um conceito que qualifica como uma figura externa ao homem.

Espinosa não entendia assim, compreendia a imanência de Deus, prova disso em 27 de julho de 1656 Espinosa foi excomungado da comunidade judaica, e aos 23 anos acusado de heresia e sacrilégio por consequência de suas ideias e teve que abandonar o convívio desta comunidade.

O que Espinosa pensava sobre Deus? Quem é o Deus de Espinosa? Como ele o define? Qual q distinção do conceito de Deus de Espinosa para o conceito formulado no senso comum? Para isso, é necessário entendermos dois conceitos basilares no pensamento de Espinosa, a saber: Deus como causa única, e a infinitude e perfeição dos atributos de Deus.         

Para Espinosa a própria ideia que o homem tem de Deus é uma ideia resultante de uma causa exterior, uma concepção inata que proporciona, de forma geral pela existência da própria ideia, a convicção da existência do próprio Deus. A essência de Deus, eterna e imutável constrange ao homem a promover em si a ideia do próprio Deus, como Espinosa afirma que: “Se o homem tem uma ideia de Deus, então Deus deve existir formalmente”. (Espinosa, 2012, p. 50).

Espinosa conclui que Deus é a causa de tudo como substância única, Ele é a causa de todas as coisas que são invariavelmente infinitas e Ele, Deus é a essência de toda a existência que é imanente.  Esse conceito de “substância única”, também foi empregado por Aristóteles, que afirmava uma causa única para o universo, que ele chama de Deus, em Aristóteles essa causa é primeira ou como ainda chama, “primeiro motor” eterno e imóvel, incorpóreo, sede das potências, em suma, “um pensamento que se pensa a si mesmo” (Aristóteles, XXXX).  Para Espinosa, Deus é a substância única e de infinitos atributos perfeitos em si, do qual nada pode existir fora dEle. Espinosa baseia-se nessa compreensão argumentando inicialmente sob quatro pontos por ele apresentados na obra em questão, como descritos a seguir:

“1. Que não existe nenhuma substância limitada, mas sim que toda substância deve ser infinitamente perfeita em seu gênero, isto é, que no intelecto infinito de Deus não pode haver uma substância mais perfeita que aquela que já existe na Natureza. 2. Que tampouco existem duas substâncias iguais.  3. Que uma substância não pode produzir outra.  4. Que no intelecto infinito de Deus não há nenhuma substância além daquela que existe formalmente na Natureza.” (Espinosa, 2012, p.54-55)

Diante disso, Espinosa explica que, quanto ao primeiro ponto, “que não existe nenhuma substância limitada”, não poderia de forma nenhuma existir uma substância limitada sem que fosse necessário outra substância ilimitada ter a criado, ou se, hipoteticamente, fosse proposto que exista duas substâncias ilimitadas, a substância ilimitada limitar-se-i-a a si mesmo em detrimento da outra substância, por isso torna-se inconcebível e contraditória a ideia da substância ilimitada limitar-se diante da criação de outra, pois se existem duas substâncias ilimitadas já não seriam, pois uma limitaria invariavelmente a outra.

Em sua outra obra, Ética, Espinosa há ainda de afirmar que “a natureza desta substância” (Espinosa, 2009, p. 13) pertence ao existir, por isso não pode ser produzida por outra, logo ela é “causa de si mesma”, ou seja, “a sua essência necessariamente envolve a existência”, o que reforça sua linha de pensamento racionalista. Com isso, a segunda afirmação de Espinosa torna-se mais contundente, onde Espinosa afirma que é não “existem duas substâncias iguais” pois, por ser a substância perfeita em seu gênero, seria por concepção completa, por isso não poderia existir outra substância, logo se assim fosse, “necessariamente uma limitaria a outra”, nisso voltaríamos ao problema no ponto anterior. Quanto a terceira afirmativa, “que uma substância não pode produzir outra”, torna-se evidente, conforme ele afirma, se uma produzir outra necessariamente teria os mesmos atributos, o que se torna inviável mediante ao primeiro ponto e por conseguinte ao segundo, limitando uma a outra ou produzindo outra substância sem os mesmos atributos.

Por último, Espinosa entende que nada pode existir fora, nem tão pouco ser concebido nada além da substância única e ilimitada, que é Deus, isso é, não pode existir na natureza nenhuma substância além de Deus, que é absolutamente infinita, conforme afirma: “

No que aqui precede, já dissemos que a substância única não pode produzir as outras, e que Deus é um ser do qual se afirmam todos os atributos; donde se segue claramente que todas as outras coisas não podem, de modo algum, nem existir nem ser entendidas sem Ele nem fora d’Ele. Por isso podemos dizer, com toda razão, que Deus é causa de tudo. (Espinosa, 2009, p. 70)

Afirmando isso, que Deus é a causa de tudo e que nada existe fora Dele, Espinosa conclui que Deus é uma causa imanente  ou produtiva de suas obras, e, em relação ao que opera, é causa ativa ou eficiente, ou ainda, causa livre, pois apenas Deus existe necessariamente por sua natureza, não age coagido por ninguém e nem por nada determinado, age exclusivamente pelas leis de sua própria natureza, apenas Deus é livre, como segue conclusão do próprio Espinosa: “…Ele é uma causa, um predestinador e governante de todas as coisas.” (Espinosa, 2009, p. 62). Sumariamente, para Espinosa tudo da Natureza é essencialmente imanente à substância única, eterna e perfeita que é Deus, tudo é produzido como imanente nele, como extensão de sua essência e nada pode existir fora dEle.

Referências Bibliográficas:

ARISTOTELES. Os Pensadores, Editora Nova Cultural. São Paulo – SP, 2000.

SPINOZA, Benedictus de. Ética. Trad. Tomaz Tadeu. Belo Horizonte – MG. Ed. Autentica, 2009.

_______. Breve Tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar. Trad. Emanuel Angelo da Rocha Fragoso, Luís César GUimarães Oliva – Belo Horizonte – MG. Ed. Autêntica, 2012.

3 thoughts on “O Deus de Espinosa

  1. Para Spinoza Deus é a substância única, sendo o TODO manifestado em tudo. Seria como dizer que Deus “trabalha” no atacado e nunca no varejo. Mas eu creio que a oração, ao contrário do que Spinoza afirma, tem poder, visto que o homem ou mulher pode se modificar -isto é um fato- pela oração, talvez alcançando um outro nivel de vibração usando o cérebro (pensamento). Pela oração autêntica ele se fundiria de forma extensa com a vibração mais sutil de Deus.
    Enfim, cada um têm sua própria opinião sobre Deus, mas acreditar num ser com braços e pernas sentado num trono e castigando os humanos é estranha para mim.

  2. O vulgo vê Deus como antropomórfico. São Tomás de Aquino comenta na sua “Meditações para o Tempo Comum” que isto se deve a uma compreensão equivocada ou mesmo a uma completa ignorância.

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